
CONHECIMENTO
ÚTIL E CONHECIMENTO REALMENTE ÚTIL
(Useful Knowledge e Really Useful Knowledge)
Autor: Alfredo Cordella – professor da UNISANTA
INTRODUÇÃO
Não se tem dúvida de que a aprendizagem ao longo da vida é algo importante na existência de qualquer ser humano. É com o processo de ensino e aprendizagem que geramos o conhecimento, embora a experiência de vida também é capaz de potencializar o saber.
A questão importante, porém, é: que tipos de conhecimento, obtidos com a aprendizagem, são capazes de promover a vida e assegurar a nossa sobrevivência?
Mais do que isto, o que nos incentiva a aprofundar certos tipos de conhecimento, principalmente aqueles que trazem o desenvolvimento humano, a sustentabilidade da natureza e o equilíbrio da sociedade como um todo harmonioso?
É possível se admitir-se que se necessitamos da aprendizagem ao longo da vida é porque permanente e continuamente ficamos inadequados e precisamos nos ajustar às mudanças que ocorrem em vários contextos.
O CONHECIMENTO ÚTIL
As sociedades mudam em momentos de crise e mudam, também, tangidas por inovações. Inexoravelmente, temos que nos adequar aos novos estilos de vida, muitas vezes impostos, ou ficamos obsoletos e expurgados do regime social vigente.
No discurso dominante de que a aprendizagem deve se instalar ao longo de toda vida, existe o argumento que, aprendendo de maneira permanente, jovens e adultos acabam aprisionados pelo modelo capitalista vigente.
A Revolução Industrial obrigou o empresariado a interferir na instalação de um modelo de educação que preparasse o operário para atuar com desembaraço nas linhas de montagem.
Para se tornar adequado a estes novos tempos, elevados contingentes humanos ingressaram, e continuam ingressando, na esteira da empregabilidade do mercado de trabalho, dotados de um conhecimento específico e especializado.
Satisfazendo os requisitos de produtividade, os sistemas educacionais foram ajustados aos poderosos meios de produção focalizando um tipo de saber que se convencionou chamar de “conhecimento útil”.
Esta classe de conhecimento, considerada de extrema importância na sociedade moderna, garante a empregabilidade em uma ponta e elevados níveis de inovações tecnológicas em outro extremo.
E assim, vamos vivendo conformados com esta situação que nos faz dependentes do sistema vigente e poucas vezes nos perguntamos se estamos felizes ou não.
Como diria Federico Fellini: “E la nave va”.
O CONHECIMENTO PODEROSO E DOS PODEROSOS.
Existem outras categorias de conhecimento importantes em nossas vidas.
Poderíamos aprofundar aqui a importância do conhecimento poderoso (powerful knowledge) e seu contraponto, o conhecimento dos poderosos, mas vamos apenas defini-los para poder estabelecer conexões com o conhecimento útil e realmente útil.
Proposto por Michael Young, da University College London em parceria com Johan Muller, da University of Cape Town, o conhecimento poderoso fornece ao aprendiz entendimento mais confiável sobre o estado do mundo.
Nestes tempos de “fake News” talvez seja um importante depletivo no resgate de informações com significado e procedência.
O conhecimento poderoso garante novas maneiras de pensar a realidade fornecendo aos alunos condições para o devido engajamento nos debates políticos, morais, sociais, ambientais, tecnológicos, entre outros temas. Enfim, o conhecimento poderoso é aquele que empodera o indivíduo, estimula o pensamento crítico, dá a voz com a devida palavra e faz dele um cidadão ou cidadã consciente de suas responsabilidades e direitos.
O conhecimento dos poderosos segue em outra vertente com traços de dominação.
Além da abordagem pedagógica, as discussões neste campo que trata do binômio conhecimento e poder invadem a área filosófica e merecem um aprofundamento à parte.
O CONHECIMENTO REALMENTE ÚTIL
Da Grécia antiga herdamos a máxima de que só é realmente útil aquele conhecimento que nos torna melhores como seres humanos.
Em um mundo representado pela modernidade líquida, como fez o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, o conhecimento realmente útil tem importância fundamental, é com ele que vamos aprimorar indivíduos e sociedade.
O conceito de modernidade líquida diz respeito a estes novos tempos em que as relações interpessoais, afetivas, familiares e sociais são frágeis, fugazes e maleáveis como se fossem líquidos.
Neste ecossistema complexo de relações diversas, falta profundidade nos relacionamentos e os conflitos rapidamente evoluem para a intolerância e para a incapacidade de reconhecer um campo de entendimento com o outro.
Não se conhece a si mesmo, não se investe no autoconhecimento e é neste cenário que o conhecimento realmente útil se revela essencial.
Trata-se de uma categoria de conhecimento que não está voltada para os interesses estritamente corporativos do capitalismo industrial e nem está a serviço do conhecimento dos poderosos.
O conhecimento realmente útil empodera o indivíduo e o torna melhor. Assim beneficia todas as camadas da sociedade e, desta maneira, pode se confundir com o conhecimento poderoso, mas vai mais além.
Garante mais lucidez no ato de pensar o estado do mundo e, principalmente, estimula uma reflexão sobre si mesmo.
O conhecimento realmente útil amplia o logos proposto, na Grécia Antiga, que destacava a importância do pensamento e da palavra: uma boa forma de pensar e um bom uso da palavra garantem a boa interpretação do estado do mundo, dando significado à comunicação.
Além do pensamento e da palavra, esta maneira de gerar conhecimento faz-se com o aprimoramento do próprio indivíduo, agregando um terceiro domínio ao pensar e argumentar, que é ser! Ser equilibrado, tolerante, resiliente, empático e bom.
Em outras palavras, pelo conhecimento realmente útil, antes de pensar e dizer, é preciso investir no desenvolvimento no interior do próprio ser.
CONCLUSÃO
Enquanto o conhecimento útil atende interesses setoriais e muitas vezes se distancia dos cuidados com o desenvolvimento humano, o conhecimento realmente útil busca o equilíbrio do indivíduo nas relações consigo mesmo, com o outro, com a sociedade como um todo e com o meio ambiente que nos abriga e sustenta.
As discussões sobre o conhecimento poderoso e o conhecimento dos poderosos tem componentes éticas e filosóficas que merecem uma abordagem mais ampla em outra publicação.
Aproveitando a ideia de Zygmunt Bauman, somente o conhecimento realmente útil é capaz de gerar uma modernidade sólida, onde as relações interpessoais familiares e sociais serão solidamente estabelecidas, tendendo a serem mais fortes, duradoras e profundas.
Este tipo de conhecimento, devidamente abordado, é importante alavanca para o desenvolvimento humano a partir do autoconhecimento.
Fica por conta do leitor uma reflexão sobre o conhecimento inútil e em que etapas da vida interagimos com ele.